sábado, 22 de março de 2014

Carta à Clarice

Querida Clarice,

Nos últimos meses, tenho refletido sobre a dor causada para que se sinta prazer em se estar vivo. E, realmente, trata-se de uma atividade significativamente cansativa. Cada vez mais, compreendo sobre o quanto é fácil morrer: é cômodo, dispensa coragem e ousadia. Viver é muito mais assustador; como você mesmo já disse: chega a parecer a grandeza da morte. E, haja força para suportá-la!
Eu vi o prazer nascendo assombrosamente, jamais imaginei que pudesse doer, tampouco que necessitasse da partilha do próprio vazio e que, nesta partilha, estaria exatamente o perigo... Foi o dar-se e o encontrar-se, sem medo de se gastar. Assim, compreendi, definitivamente, sobre a comunicação muda, sobre a solidão acompanhada.
Eis que sinto o sabor da água ruim saída da bica enferrujada: água morna e seca! É verdadeiramente um horror, mas é legítimo. É a busca do prazer (que não o forçado!), é o desamparo de estar viva por querer se fazer motivo e tema, de consistir apesar de.
No fundo, o que busco é o tal “estado agudo de felicidade” do qual você me falou. Mas, como o alcanço com toda essa saudade? A presença me é pouco, minha cara... Pois, por já ter aberto as mãos e o coração, o desejo de ser o outro não se contém, tem-me sido urgente.
É... você tinha razão, é um grande susto estar viva... Espero que o bom Deus me revista com a película necessária para me proteger e tolerá-la: tolerar a vida.
Saudações,
Poliane

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