Difícil entender como tropecei
nas próprias pernas, me inebriei com minhas palavras e me findei com as
próprias mãos. Com toda sinceridade, eu não me entendo, porém me respeito
profundamente. Porque uma mulher que tem fúria merece ser respeitada. De modo especial,
quando, apesar da fúria, ela consegue manter intactas todas as coisas ao seu
redor; num perfeito estado de normalidade que, aos mais distraídos, parece
entoar um silêncio até melódico. E eu tenho fúria!
Esse quê de insanidade que se
confunde com valentia para beijos, querelas, travessuras e sofrimento. É um
ímpeto que me é intrínseco, que não me deixa ser aos poucos, que me faz querer
ser por inteiro. Não sei como dividir afeto em pedaços, beijos em partes,
brigas em doses homeopáticas. Faz como pra brincar com uma criança aos poucos? O
máximo que eu alcanço é controlar as ações, não as emoções. Apenas me controlo!
É preciso respeitar também essas regras que nos garantem a vida em sociedade,
asseguram meu direito de ir e vir por ser reconhecida como alguém normal (Freud
explica!).
Eu falei que controlo? Creio
mais que eu contenho – em todos os sentidos que a palavra aponta. Contenho as
lágrimas, o riso frouxo e o do canto da boca, a piada, a solidão, a dúvida, a
vontade de dançar na chuva, o desejo, o medo, a ira, a dor, a compaixão. E tudo
isso, com muita força. É fúria. Pra sorrir, pra chorar, pra dançar, pra
escrever, pra acompanhar, pra dizer que sim ou que não. Se eu estou, preciso
ser e, se não puder ser, não há força que me impeça de sentir. E sentir, por
sua vez, é uma habilidade que eu desempenho, geralmente, com fúria. Na alegria,
por exemplo, eu reluzo – meu sorriso é capaz de ofuscar!
Sendo assim, dá pra imaginar
como é quando eu sinto dor, raiva ou tristeza? É duro segurar, entretanto, tudo
permanece no lugar e é impressionante como eu sou boa nisso: implodo com
maestria. Da boca pra fora, tudo é silêncio. Antes dela, o barulho é intenso e
ensurdecedor. Há terremotos por toda parte, no entanto, até aqui, sobrevivi a
todos, a todos suportei. Não sem dor, não sem marcas.
Contudo, não aprendi ser vítima, me
recolher num canto e esperar ser devorada. Quando acuada, eu me lanço, reajo
impetuosamente. Se tropecei nas minhas pernas é porque resolvi seguir em
desatenção e assumo a responsabilidade de ter aceitado correr os riscos
disso. Só que doeu e dar cabo de si mesmo não é uma tarefa fácil: terremotos. Mas,
sou uma mulher que tem fúria, que tolera o tempo do caos porque, cedo ou tarde,
hei de pôr o chão nos pés.