terça-feira, 31 de dezembro de 2013

São seus e eu me vi

Assim, sem perceber, descobri mais de mim ao me ver através de outros olhos. E não foram quaisquer olhos... Foi desse olhar que ver por dentro, que interpreta caretas e silêncios. E, sem querer, sem querer deixar (porém, sem conseguir conter) fui me vendo, me revendo. Compartilhando palavras e olhares, fui tecendo afeto, um imenso querer bem. Foi assim que fiz as pazes com a chuva, que me “buarquezei” e redescobri Clarice – uma deliciosa vertigem!

Olhada deste outro lugar, por estes olhos de sol, tive certeza que pareço ter menos idade do que carrego, que isso não me faz tola e que ser engraçada pode ser uma excelente qualidade. Ah! Eu faço caretas! Muitas caretas quando estou “de boa”. Agora sei também que com meia dúzia de plurais sou capaz de fazer chover. E todas essas coisas fazem me sentir ainda mais estranha e mais certa que sou feliz com todas elas.


E como não se sentir feliz ao ser pintada em cores sem nem falar quais as minhas preferidas? É tão bom quanto inspirar músicas. É uma sensação especial, tal qual ser cifrada, decifrada... Tão bom quanto se sentir outra sendo eu mesma, apenas por fazer isso sem economia, gastando a mim mesma, sem culpa...

Ah, doces tardes de feira que me roubaram algumas horas da noite para que eu “me soubesse” um pouco mais do que eu já me conhecia. Olhos de cansaço e ternura que me fizeram emergir de mim e me tomar segredos e me arrancar cascas sem força nem exigências.

Eu que achei saber bastante de mim, encontrei de espelho – largo, gentil e profundo – um par de olhos que viram o que não mostrei e que captou o que ninguém viu, apesar de eu mostrar. Que me fez saber de um quê de incrível que eu desconhecia e de uma beleza que eu desconfiava. Belos olhos, cuja beleza não reside na cor nem na forma, mas no modo de ser. Olhos de cuidado... Cujo olhar carregarei para onde estiver, visto que, nestes instantes, foram meus e eram por eles que eu me via.

Desses olhos, carrego a vitalidade que me impregnou, a ousadia de defender o que acredita, o calor e o sabor que deles se esvaíram. Deles, impressionam-me a sinceridade, a capacidade de acarinhar e de se doar. Deles, a impressão de que as noites podem ter sol, além das estrelas, e que podem ser como água de rio, em que a gente se vê tão belo que deseja adentrar nela.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Sei lá... Tudo coisado

Há uma coisa aqui, bem na garganta, que não deixa nada descer. Faz também o peito parar, não infla nem esvazia. É preciso forçar para o ar circular. É coisa que faz o sono em pedaços e as horas em instantes de deserto. Coisa estranha que acha cheiro onde não tem e muda os sabores do que era muito bom. Procuro melodia e não acho, descubro outras que nem existiam... Que coisa! Que coisa?

Praga, profecia, feitiço, fungo, surto, susto, mal-olhado, demência, anemia, encosto, mandinga... Sei lá... Sei que tudo parece meio coisado!

É coisa de apertar! Aperta por dentro, lá dentro, no interior do interior; aperta também as mãos e os pés e os lábios.Tentei apertar mais, numa tentativa frustrada de buscar alívio, ver se estrangulava isso, só que nada...

Ah, coisa ruim! Qual tua alcunha? Revela essa face que me amedronta de uma vez, dá um nome ao meu algoz, de modo que eu me rebele contra ti. Se ao menos soubesse que és, buscaria forças para te enfrentar. Mas quem és, coisa que me perturba as horas e os sonhos? Por fim, liberta meu coração desse peso, desse sufocamento; descoisa meu tempo, meus pensamentos e meus ais.